segunda-feira, 30 de maio de 2011

Roberto Pinheiro, por Jeanne Matos

Cirurgião Dentista, DDS, MSc, PhDCRO-CE 3105
  • Graduado em Odontologia na Universidade Federal do Ceara 1996
  • Especialista em Ortodontia na Université de Paris-Curie (Paris VI) 2004
  • Mestre em Odontologia na Université de Paris-Descartes (Paris V) 2004
  • Doutor em Odontologia na Université de Paris-Diderot (Paris VII) 2007




QUAL A IMPORTÂNCIA DA SUA PESQUISA?
              Eu pesquisei os pacientes portadores de fissuras lábio-palatinas, popularmente conhecidos como lábio leporino ou garganta de lobo. Existem alguns genes que participam da formação do complexo craniofacial e mutações nestes genes podem levar a este quadro. Eu trabalhei com um destes genes, o gene Msx1, e nas minhas pesquisas tentávamos controlar a expressão deste gene para desta forma conseguirmos reativá-lo em pacientes portadores da mutação. Este gene transcreve um RNA antisense natural.  É como se a "receita da proteína" fosse lida de trás para frente. este RNA antisense é capaz de se ligar ao RNA sense (normal) e anular a expressão da proteína. Uma desrregulação deste processo causa anomalias craniofaciais como fendas craniofaciais e ausências dentais.  

HOJE EM DIA, VALORIZA-SE MUITO O PESQUISADOR QUE TEM LINHAS DE PESQUISA CONSOLIDADAS. PORÉM, PESQUISADORES E ALUNOS MUITOS VEZES TEM DIFICULDADE EM OPTAR POR DETERMINADO TEMA. VOCÊ PODERIA DISCORRER UM POUCO SOBRE SUAS LINHAS DE PESQUISA? O QUE A LEVOU A OPTAR POR ESTES TEMAS? PORQUE A ESCOLHA DO SEU TEMA? E QUAL A CONTRIBUIÇÃO PARA GENÉTICA?

              A escolha foi pessoal, sempre fui fascinado pela perfeição dos processos de formação da face, além de trabalhar diariamente com o crescimento craniofacial na clínica ortodôntica. O gene Msx1 tem a característica de ser controlado naturalmente por um RNA antisense. À época da minha tese pouco se sabia sobre esta maneira de controle, portanto nós ajudamos a compreender os processos envolvidos neste fenômeno.      

QUAL FOI O PONTO FORTE DA SUA TESE?
           Foi provar "in vivo" o controle do gene Msx1 pela vitaminda D.  

QUAIS DIFICULDADES ENCONTRADA NA PESQUISA?
         Muitas. Como falei anteriormente, estávamos pisando em terreno desconhecido e quase todos os experimentos ainda não tinham sido relatados na literatura.    

QUAIS BIBLIOGRAFIA USADAS?
            Eu tive a grande  sorte de realizar minha tese em um dos laboratórios de maior referência mundial em desenvolvimento craniofacial, poratnto, muito da bibliografia utilizada foi desenvolvida no próprio laboratório nos trabalhos da Dra. Ariane Berdal. Os trabalhos de outros grupos também contribuiram bastante, como do grupo do Dr. Jeff Murray, Dr. Paul Sharpe e Dra. Mary McDougal 

EM UMA PERSPECTIVA PESSOAL E EDUCATIVA QUAL A RELAÇÃO COM A GENÉTICA?
           A genética é a matemática das ciências da saúde. É a base de tudo e quem a compreende e a usa como instrumento diagnóstico se destaca no meio profissional.  


QUAL A CONTRIBUIÇÃO PARA A CIÊNCIA?
           Ajudamos a compreender a regulação da expressão do RNA sense e antisense do gene Msx1 " in vivo" por meio de hormônios e fatores de crescimento. Encontramos muita dificuldade em controlar a expressão deste gene pelo RNA antisense o que prova que ainda sabemos muito pouco sobre o funcionamento deste tipo de regulção natural. 

O QUE A ODONTOLOGIA SIGNIFICA PARA VOCÊ?

        A odontologia sempre foi uma area de grande interesse para mim. Eu era muito curioso em relação a tudo o que girava em torno da odontologia. Eu acreditava que era uma area que englobava a biologia, quimica e fisica,  e estas eram matérias que me agradavam no ensino médio, por isso optei por esta area. Hoje em dia, não sei o que faria se não fosse ortodontista. Nesta especialidade temos desafios diarios pois não existe "receita de bolo", temos que adaptar a terapêutica a cada paciente e isto é muito cativante.

EXISTE UM CAMINHO PARA ADQUIRIR EQUILÍBRIO ENTRE A FUNÇÃO DE PROFESSOR E PESQUISADOR, SENDO COMPETENTE NAS DUAS FUNÇÕES?

            Acho que são atividades que se complementam, desde que a carga horária não sobrecarregue o professor/pesquisador. Acho que o maior problema é administrar o tempo e priorizar determinadas tarefas. Vejo que nos perdemos em reuniões, discussões, burocracia, bobagens... São poucos os que conseguem se concentrar no que realmente importa.
          
 O SENHOR CITA A ANGÚSTIA DE ESCREVER UMA TESE. O PROCESSO DE ESCREVER UM TEXTO CIENTÍFICO É, SEM DÚVIDA, UM PROCESSO INTELECTUAL QUE EXIGE TREINAMENTO. TODO ESSE SOFRIMENTO NÃO É AUMENTADO POR UMA CARÊNCIA GERAL NA FORMAÇÃO DOS ALUNOS? NÃO EXISTE UMA FALHA DO SISTEMA EDUCACIONAL QUE NÃO NOS CAPACITA PARA ESSE PROCESSO?
             
           Acho que nós assustamos muito quando falamos sobre o que é uma tese e deixamos que acreditem que só aqueles muito brilhantes conseguem escrever um trabalho científico. Faz parte do jogo acadêmico, como diria Pierre Bourdieu, excluir os dominados, aqueles que poderiam competir com os dominantes. A socialização de um pesquisador deveria ser iniciada quando ele ainda está no ensino primário. Despertar o desejo de pesquisar, de pensar, de escrever. Não deveria ser algo tardio. Acho que as crianças não são tão estimuladas quanto poderiam ser para expressar sua curiosidade com relação ao mundo e às pessoas. Este seria o início de criar um indivíduo que não tem medo de pensar e escrever.

 A PESQUISA QUALITATIVA NA ODONTOLOGIA NÃO É DIFERENTE DAS OUTRAS ÁREAS, SENDO SEMPRE ENCARADA COMO UM DESAFIO PARA O PESQUISADOR. COMO UMA AUTORIDADE NESTA ÁREA, QUAL SERIA SEU CONSELHO PARA QUEM QUISER TENTAR SE AVENTURAR NESSE CAMPO?


              Em primeiro lugar, buscar pesquisar um tema de seu real interesse, curiosidade e paixão. Não escolher o tema por motivos objetivos, externos, mas por motivação interna. A boa pesquisa sempre é aquela que tem um dedicado e interessado pesquisador por trás. Em segundo, definir com clareza os objetivos. Muitos se perdem no meio da discussão teórica ou na análise dos dados por não terem definido claramente O QUE querem pesquisar. Usarem seu tempo para namorarem o objeto de pesquisa, concentrarem-se em cada momento do processo, terem paciência com as dificuldades e, especialmente, buscarem sempre uma idéia original e criativa.   
               Quando a gente quer muito um objetivo e trabalha para isso, mais cedo ou mais tarde ele acontece. Não esperem ninguém pegar na sua mão e levá-los ao seu sonho, isso não existe. Quando eu falo da minha trajetória, muita gente diz: "eu morro de vontade de morar fora", mas na verdade essas pessoas nunca trabalharam para isso, muitas nem chegam a estudar um outro idioma. Elas esperam que alguém chegue oferecendo as passagens, hospedagem e uma bolsa de estudos!!!!!!   O primeiro passo é colocar isso como objetivo de vida e  a partir desse momento viver em função disto. No meu caso, tive que trabalhar durante 4 anos para poder me sustentar durante 2 anos de mestrado na França. Somente durante o doutorado consegui a bolsa de estudos. Todos os meus passos profissionais eram dados pensando na pós-graduação. 
          Quando eu sai do Ceara, não havia nenhuma pós-graduação stricto-sensu em odontologia no estado, por isso fui obrigado procurar fora. Se eu fosse começar tudo do zero hoje, procuraria um mestrado no Ceara e no  doutorado procuraria fazê-lo fora do pais, total ou parcialmente. Isto vai garantir um financiamento da ida  e uma provável vaga de emprego na volta. Esse é o caminho menos tortuoso para atingir o objetivo.
 

NA SUA OPINIÃO, QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS HABILIDADES E FERRAMENTAS QUE UM EDUCADOR DEVE POSSUIR E DESENVOLVER PARA OTIMIZAR O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM COM SEUS ALUNOS?
            
           Acho que o mais importante é realmente ser apaixonado e acreditar no que está fazendo. Sem dúvida nenhuma, ser um profundo conhecedor do tema que pesquisa. Mas sem paixão, sem verdade, sem interesse profundo e curiosidade, o educador não consegue contagiar os seus alunos.
          Encontro muitos alunos desmotivados e sem interesse pela pesquisa. É muito difícil provar a eles que vale a pena. Mas sempre consigo seduzir alguns que querem realmente fazer pesquisa, mostrando que o que realmente importa é ter um interesse verdadeiro pelo que se pesquisa. 

VOCÊ DISCURSA MUITO BEM SOBRE AS DIFICULDADES DO MEIO ACADÊMICO. A SUA TRAJETÓRIA ACADÊMICA FOI MARCADA POR MUITAS DIFICULDADES? VOCÊ ACHA QUE A NOVA GERAÇÃO DE PROFESSORES TEM AGIDO DIFERENTE PARA MELHORAR O MEIO ACADÊMICO OU ELES ESTÃO COMETENDO OS MESMOS ERROS? 


Não diria que tive muitas dificuldades, acho que tive e tenho as dificuldades naturais de todo e qualquer ambiente profissional. Tenho dificuldade para lidar com brigas, competições mesquinhas, fofocas, inveja... Mas quem não tem? Diria até que tenho tido uma vida muito feliz no meio acadêmico, com alunos inteligentes e motivados, com amigos brilhantes, com idéias que discuto nas minhas aulas. Sou realmente apaixonado pelo que faço, especialmente por dar aulas e pesquisar. Neste sentido, encontrei o melhor lugar do mundo para mim.
          Não diria também que são erros. Como dizia Pierre Bourdieu, o meio acadêmico é um espaço de um jogo de poder. Só dá para ficar nele quem aprende a jogar o jogo. Só que cada um pode escolher a sua própria forma de jogar. Prefiro jogar o jogo buscando ser honesto, sério, envolvido, produtivo e não-competitivo.


PARA FINALIZAR, POR FAVOR, DEIXE ALGUMA MENSAGEM DE INCENTIVO, UM CONSELHO E/OU SUGESTÃO, PARA OS ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ODONTOLOGIA, QUE ESTÃO INICIANDO O CURSO OU QUE ESTÃO PRESTES A SE FORMAR.

           Eu diria que o mais importante é procurar a própria singularidade dentro do campo escolhido. Muitas vezes somos pressionados a mudar de tal forma que acabamos nos tornando apenas mais um no mundo, como um outro qualquer poderia ser. Acredito que apostar na própria singularidade, no que faz cada um diferente do outro, pode ser o melhor caminho para a satisfação profissional. E, é lógico, aprender a jogar o jogo do mundo acadêmico com seriedade, honestidade e paixão. Não reproduzir os comportamentos inaceitáveis que tanto condenamos: inveja, competição e mediocridade.

                           
                                        Entrevista feita com o Professor Dr. Roberto Pinheiro, feita pela a aluna de odontologia da Leão Sampaio Jeanne Maria Melo de Matos.

email dele: robertoflavio@leaosampaio.edu.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário