sexta-feira, 3 de junho de 2011

Gilberto Paiva de Carvalho, por Ivens Garcia

é pós-graduado em Odontologia Legal e Deontologia pela Universidade Estadual de Campinas com o título de Mestre (2002). 
Atualmente é Perito Odonto-Legista do Governo do Estado de Roraima
Professor titular - Faculdade Cathedral e Coordenador do Curso de Odontologia desta IES.
Tem experiência na área de Odontologia, com ênfase em Odontologia Legal e Deontologia, atuando principalmente nos seguintes temas: odontologia legal, ética, informática odontológica, perícia criminal e lesão corporal.

Entrevista

Boutiques de Barbieri: Qual o motivo da sua escolha por o mestrado em Odontologia Legal? 

Gilberto de Carvalho: No meu primeiro ano de graduação assisti uma palestra sobre carbonizados e a atuação do cirurgião dentista, ministrada pelo Prof Dr. Malthus Fonseca Galvão (www.malthus.com.br). Ao final da graduação, a disciplina foi realizada com o próprio Prof Dr Malthus, momento no qual já me identificava com o tema. Naquele semestre fomos solicitados a fazer um trabalho para apresentar na Semana Científica da UnB e nós da faculdade particular encaramos a peleja. O nosso prepara foi árduo e a apresentação do trabalho saiu como o planejado. Não esperava, mas obtivemos o primeiro lugar. Finalizando o semestre, fui convidado  a assistir uma defesa de doutoramento na Unicamp. Fui. Meu último ano na faculdade foi somente estudar Odontologia Legal para prestar a prova do mestrado e passar.

BdB: Qual sua área de atuação na Odontologia Legal? Pode nos falar um pouco dela?


Gilberto de Carvalho: Área criminal e ensino. Atuo no Instituto Médico Legal como Perito Odontolegista e sou professor na faculdade de Odontologia na graduação e pós-graduação. A atividade no IML, ao contrário do que se pode pensar, tem sua maior parte envolvendo exames no vivo por meio dos exames de lesões corporais. Porém, o que sobressai na mídia são os casos de repercussão em que há a necessidade de realização de identificação humana por meio dos arcos dentais. A identificação pelos dentes é precisa e com custo zero para o estado. O exame por DNA gera custo e demora para a família que está angustiada em saber se aquela pessoa é seu parente ou não. Os casos de identificação são variáveis: corpos em estado avançado de putrefação ou esqueletizados, exumações e carbonização. A ferramenta que mais ajudaria o Perito Odontolegista é um prontuário com o mínimo de registros para uma comparação efetiva. Entretanto, alguns de nossos colegas pecam e sequer fazem uma anotação. Isso dificulta. Mas, se a família possui uma fotografia com o suspeito de desaparecimento sorrindo, podemos buscar uma série de pontos que individualizam a pessoa. Além do laudo que enviamos para a justiça como uma peça importante no processo, pois o laudo compõem uma prova, a grande satisfação é saber que a família pode realizar o processo de luto. Pense, é horrível você ter uma pessoa que ama desaparecida e não ter certeza se está viva ou não. Seja o desaparecimento por um sequestro, seja em um acidente aéreo. Você sabe que o avião caiu e que  ninguém sobreviveu, mas a certeza somente vem com o corpo. Esclarecer esse fato e trazer o alívio do fim da busca... 

BdB: Qual tipo de casos periciais você já teve participação na odontologia?

Gilberto de Carvalho: Diversos. Dentre tantos, vou falar de um acidente entre uma moto e um carro em que o motorista e o motoqueiro permaneceram nos destroços enquanto tudo pegava fogo. Já era uma rotina, motos em alta velocidade. Um carro fez o retorno e a moto atingiu em cheio a porta traseira do lado dos passageiros. Explosão e fogo. Dois corpos carbonizados. Grande repercussão por se tratar de uma pessoa da alta sociedade local. Até o governador apareceu no IML. A identificação foi feita comparando-se fotografias em vida dos suspeitos. Outro caso foi de um dono de um supermercado. Ele desapareceu e aproximadamente 15 dias depois, foi encontrado um corpo parcialmente esqueletizado. As nossas condições climáticas favorecem a decomposição quando um corpo está lançado a esmo. Ao exame, verificamos um trauma pérfuro-contuso na região posterior do pescoço que atingiu a base do crânio e a primeira vértebra cervical. Além disso, também havia trauma nas lâminas ósseas da cavidade ocular. O fato peculiar era que treze dias antes do desaparecimento, a vítima havia recebido uma placa oclusal para tratamento de bruxismo e a família trouxe, servindo com base para o processo de identificação. Não posso deixar de falar que a cirurgiã dentista da vítima tinha o registro de atendimento há dez anos!

BdB: Como você vê atualmente a Odontologia Legal no Brasil? E o que espera para o futuro?

Gilberto de Carvalho: A Odontologia Legal no Brasil está em expansão. Há 10 anos poucos eram os estados que tinham o Perito Odontolegista nos quadros do IML. Muitos estavam "emprestados" de outras secretarias ou eram dentistas peritos criminais que abraçavam os casos de Odontologia. Em termos de literatura, o livro do Prof Dr Moacyr da Silva era o único no mercado brasileiro. Hoje, diversos estados criaram o cargo, inclusive a Polícia Federal. Os encontros e congressos estão mais ricos com diversos colegas publicando seus trabalhos. Ainda há muito o que se fazer.  Quando penso no futuro, penso no ensino da Odontologia Legal que deve ultrapassar a simples leitura das leis, códigos e resoluções e formar parcerias com todas as especialidades, pois todos os professores tem em seu arquivo um caso de insucesso ou correção de problemas criados por outros colegas. Não se pode apenas citar que "tenham cuidado...", mas é importante se abrir espaço para uma explanação específica da importância legal que não é somente a ética. Escrevi um texto para o CRO/AM <http://www.croam.org.br/croinforma17.html> (clicando na página 3) dizendo que "o importante é registrar!". "Um prontuário organizado presta-se na área criminal, principalmente nos casos de identificação humana, cível, em eventuais questionamentos judiciais, ética e a administrativa. O cirurgião-dentista precisa aprender a usar as informações presentes no prontuário a seu favor. Portanto, a orientação é: registre." Olhe que foi escrito "em eventuais questionamentos", pois o cirurgião dentista deve registrar, mas antes de tudo, deve OUVIR o que o paciente quer dizer. Em minha pequena experiência no CRO/DF, MPDFT (PróVida - Promotoria de Justiça Criminal em Defesa aos Usuários dos Serviços de Saúde), CRO/RR e nos processos que tive acesso como perito ou não, verifiquei que a maioria dos casos vão para a justiça porque o profissional não OUVIU o que o paciente queria dizer. Ouça, olhe no olho, pense e resolva o caso no consultório. Bem, acho que não fugi tanto da pergunto, pois hoje e no futuro os processos estão aumentando a cada ano e a tendência é acréscimo nestes números.

BdB: O que você diria para aqueles que querem se especializar nessa área?

Gilberto de Carvalho: Se não estiverem em grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, onde estão os maiores índices de processos judiciais contra cirurgiões dentistas, aliem a especialidade com outra. A quantidade de concursos para Perito Oficial está aumentando, mas devido aos valores diferenciados e as poucas vagas oferecidas, torna-se mais árduo o acesso. Deve-se também lembrar que a Odontologia Legal não está somente ligada à área criminal. Há também os aspectos administrativos da clínica. Geralmente, o cirurgião dentista clínico não está afeito à produção de documentos legais para justificativas a serem encaminhadas para os convênios, assim como a importância da organização, produção, acesso e arquivamento de prontuários. Alguns podem perguntar: mas, o representante jurídico da empresa faz esses documentos. E se no teor do texto há necessidades de esclarecimentos técnicos? Bem, o cirurgião dentista especialista é a pessoa ideal para esse serviço. Certa vez uma colega de turma me ligou para relatar um problema com uma paciente e nestes casos... a paciente era advogada. Passou no consultório e levou todos os documentos, exatamente em um horário em que somente a secretária estava. Apresentou a carteira da OAB e as pernas da recepcionista tremeram. O especialista em Odontologia Legal nesta clínica, por exemplo, já teria treinado todos os colaboradores auxiliares os quais teriam conhecimento da resolução do CFO que diz que o prontuário é propriedade da clínica. O problema poderia ser ouvido por esse especialista que avaliaria a necessidade ou não do assessor jurídico na reunião de acordo com a paciente. Ou seja, a solução poderia ser concretizada no consultório. São muitas as vantagens para o cirurgião dentista especialista em Odontologia Legal que não estão ligadas à área criminal. É um conhecimento obrigatório para todos os cirurgiões dentistas. Se todos pudessem fazer um curso de direito, nosso país com certeza estaria diferente, pois conhecendo o seu direito, você sabe como reclamar, onde e quando reclamar. O conhecimento é tudo e isso ninguém lhe tira. O cirurgião dentista é treinado para manter e restaurar a condição da saúde bucal do paciente e a idade em que é feita sua formação não há maturidade para ver além dos horizontes dentais, mas a vida profissional ensinar-lhe-á um bocado, muitas vezes nas barbas do juiz. 


Quero aproveitar o espaço e mais uma vez agradecer ao Professor Gilberto Carvalho por a atenção dada, e pela a entrevista concedida. Sua entrevista só adicionou conhecimentos a minha carreira acadêmica.
Obrigado
Ivens Garcia - boutiquesdebarbieri.blogspot.com

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